quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Roupa suja se lava no jornal

O “Annuncio de Antonio José da Cunha” e a “Resposta ao annuncio” por Bernardo José da Costa, impressos por encomenda dos autores na Imprensa Imperial e Nacional, circularam em 1826. Encartados no Diário Fluminense com uma semana de diferença, os documentos contam uma briga de família de folhetim para novelista nenhum botar defeito. Também antecipam a promiscuidade entre público e privado à altura dos tempos de Facebook ou Twitter.
Tudo começa com a publicação do libelo de Antonio José. Danado da vida com o que chamou de “execrável profanação”, divulga um rol impressionante de improbidades cometidas contra sua pessoa por sua esposa, seu genro e sua filha. Explica que, após ausência de três anos, retorna à Corte e ao lar e encontra sua mulher grávida do genro! Este, por sua vez, havia “violado a pudicícia” de sua filha, com quem acabou se casando para reparar o malfeito.
 Com profunda dor de cotovelo, Antonio se esmera na descrição de seus desgostos: sua esposa, “esquecida dos sentimentos de pudor, o mais belo ornamento de seu sexo, quebrou a união conjugal, e que fora seguida de sevícias e (...) escandalosas libertinagens”. Seu sofrimento era tamanho que “as lágrimas involuntariamente corriam de seus olhos”! O leitor quase se solidariza com o infeliz, injustamente “lançado à desonra pública”. Não bastasse, o marido traído acusa a família de se unir para matá-lo, asfixiando-o com um pau e aproveitando sua vulnerabilidade momentânea para derrubá-lo escada abaixo, sem dó nem piedade. Felizmente, Deus fez a sua parte e ele escapou da morte.  Em seguida, a família saqueia sua casa, levando as pratarias e objetos de valor. E ainda foge para providenciar o aborto da criança e dar sumiço às provas do adultério.
Indignado, José da Cunha expôs as mazelas da família
A indignação do marido vai explodir quando, “buscando o caminho das leis, persuadido de que só nelas o cidadão encontra segurança”, se vê diante de um Tribunal “insensível às suas lágrimas e indiferente à causa dos bons costumes”. É a gota d’água! Ele decide que, “se o Altar da Justiça foi só para proteger o crime tão funesto na ordem da sociedade, eu os deixarei entregues à opinião pública, que os conhece e detesta...”. Tenta desmoralizar o sistema jurídico, dizendo que este se valeu de falsos testemunhos para contradizer a acusação, recrutando “mulheres corrompidas e cúmplices”. Além disso,questiona a legitimidade da sentença, uma vez que, segundo ele, tinha tido parecer favorável do próprio imperador.
Corno ou caluniador?
O outro lado da história aparece na semana seguinte, quando o genro conta sua versão usando os mesmos meios do sogro. Encarta no jornal sua “Resposta”, desmentindo todas as acusações do “caluniador” e trazendo novos elementos para o enredo.
Conta que seu casamento com a filha, “a quem ternamente ama”, foi absolutamente legítimo e contou com a aprovação do pai, que inclusive deu como presente de casamento dois escravos, e os convidou para viver em sua casa. E que em hipótese alguma praticaria o abominável “adultério incestuoso” com sua sogra, bem como o aborto do suposto feto. Segundo Bernardo, foi ganância a origem de todo o mal: seu sogro – “chefe cabeçudo, teimoso e insolente” – quis obrigar a esposa a assinar um papel em branco que lhe permitisse  dilapidar o patrimônio familiar e ir embora com o dinheiro.
Bernardo nega veementemente a acusação de tentativa de assassinato. Relata que foi o próprio caluniador que chegou à casa, diante da recusa da esposa a assinar o papel, “levando o seu danado espírito de raiva e impróprio do sexo varonil, qual foi – o entrar a fazer bulha em casa com um pau de machado e ao mesmo tempo gritar (...) contra a mulher, filha, e genro, que o matavam....”. E solta o verbo sem pudor: “Endiabrado homem! Manhoso! Embusteiro!”. Aproveita também para refutar a acusação de roubo.
O genro encerra com eloquência: “Em poucas palavras: Antonio José da Cunha esteve em Santos quatro anos menos quatro meses, vivendo como ele quis, sem querer saber da família que aqui deixara; sem lhe mandar socorro algum para a sua subsistência; precisando sua mulher e filha lavar e engomar roupas de estranhos para viverem.” Ora, quem vai à roça perde a carroça, amigo!
Diante de tal discrepância de relatos, não seria possível tomar partido. Afinal, apesar de ambos apelarem para o juízo da opinião pública, diz o ditado que em briga de marido e mulher não se mete a colher. Mas que a fila anda, anda..
Por Lia Jordão
 
 
 

domingo, 17 de junho de 2012

Para Gostar de Ler...9


HÁ MOMENTOS

Clarice Lispector
Há momentos na vida em que sentimos tanto
a falta de alguém que o que mais queremos
é tirar esta pessoa de nossos sonhos
e abraçá-la.
Sonhe com aquilo que você quiser.
Seja o que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que se quer.
Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.
As pessoas mais felizes
não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor
das oportunidades que aparecem
em seus caminhos.
A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passam por suas vidas.
O futuro mais brilhante
é baseado num passado intensamente vivido.
Você só terá sucesso na vida
quando perdoar os erros
e as decepções do passado.
A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar
duram uma eternidade.
A vida não é de se brincar
porque um belo dia se morre

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Hans Staden - prisioneiro dos Tupinambás

Hans Staden _ Tupinambás

Hans Staden, aventureiro mercenário alemão do século XVI,  passou maus bocados em território brasileiro, em 1549. Esteve no Brasil por duas vezes e participou de combates nas capitanias de Pernambuco e de São Vicente contra navegadores franceses e seus aliados indígenas.
Em sua primeira viagem às terras brasileiras, rumou ao município de Igaraçu, próximo a Olinda, em um navio onde ajudou o governador de Pernambuco a lutar e combater revoltosos indígenas. Sua segunda viagem foi mais marcante e resultou em sua obra mais conhecida. Staden chegou à América do Sul em 1549, e ajudou os colonos portugueses a defender o Forte São Dilipe da Bertioga, que se localizava nas proximidades da cidade.
Enquanto caçava sozinho, Hans foi preso por uma tribo tupinambá que o conduziu à aldeia de Ubatuba, localizada na atual cidade de Paraty, no Rio de Janeiro. A tribo tupinambá praticava o ato de antropofagia, conforme narrado a seguir.

A prática antropofágica constituía o momento culminante do processo cultural Tupi que encontrava na guerra e na execução ritual dos prisioneiros a meta e o motivo fundamental da própria identidade cultural. Os Tupinambás não se beneficiavam tanto das energias do prisioneiro, e sim da substância do parente que aquele havia (eventualmente) comido e do qual eles buscavam a reapropriação. Tratar-se-ia, pois, nos termos sociológicos caros a Fernandes, da recuperação da integridade da coletividade, projetada num plano religioso através da representação (tal como aparece para nós, ocidentais, hoje) de uma exigência (feita pelos próprios espíritos) das vítimas e de seu sacrifício. ‘O sacrifício não era causado pela ação dos inimigos, mas por necessidades do ‘espírito’ do parente morto por eles’ (FERNANDES apud AGNOLIN, 2002).

  Estavam claras, portanto, as intenções da tribo em relação ao alemão: devorá-lo. Pouco tempo após sua captura, os índios tupiniquins, aliados dos portugueses, atacaram a aldeia em que estava refém. Obrigado pelos tubinambás, Hans Staden lutou contra a tribo inimiga e tornou-se então um troféu de guerra por seus captores. Após muita luta para ser salvo, foi enfim resgatado por um navio corsário francês (Catherine de Vatteville), depois de mais de nove meses aprisionado.
Assim que voltou para a Europa, redigiu um relato sobre sua estada no Brasil em poder da tribo tupinambá e os costumes do povo indígena sul-americano. A obra intituladaHistória Verdadeira e Descrição de uma Terra de Selvagens, Nus e Cruéis Comedores de Seres Humanos, Situada no Novo Mundo da América, Desconhecida antes e depois de Jesus Cristo nas Terras de Hessen até os Dois Últimos Anos, Visto que Hans Staden, de Homberg, em Hessen, a Conheceu por Experiência Própria e agora a Traz a Público com essa Impressão, também conhecida pelo nome “Duas Viagens ao Brasil”, foi publicada em Marburgo, na Alemanha, por Andres Colben em 1557.
  A obra tornou-se um dos maiores e melhores relatos do período do Brasil colonial, além de sua influência para a imagem geradora dos estrangeiros sobre o nosso país, ainda em voga nos dias atuais.

Fonte: http://lancamentos.moderna.com.br

domingo, 18 de março de 2012

Para gostar de ler 8 - " No Caminho com Maiakovski"

 
Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na Segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne a aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA!
Eduardo Alves da Costta
 
Fonte ilustração: site - cabar3.blogspot.com.br

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Semana de Arte Moderna de 1922


Histórico
Inserida nas festividades em comemoração do centenário da independência do Brasil, em 1922, a Semana de Arte Moderna apresenta-se como a primeira manifestação coletiva pública na história cultural brasileira a favor de um espírito novo e moderno em oposição à cultura e à arte de teor conservador, predominantes no país desde o século XIX. Entre os dias 13 e 18 de fevereiro de 1922, realiza-se no Theatro Municipal de São Paulo um festival com uma exposição com cerca de 100 obras e três sessões lítero-musicais noturnas. Entre os pintores participam Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Ferrignac, John Graz, Vicente do Rego Monteiro, Zina Aita, Yan de Almeida Prado e Antônio Paim Vieira, com dois trabalhos feitos a quatro mãos, e o carioca Alberto Martins Ribeiro, cujo trabalho não se desenvolveu depois da Semana de 22. No campo da escultura, estão Victor Brecheret, Wilhelm Haarberg e Hildegardo Velloso. A arquitetura é representada por Antônio Garcia Moya e Georg Przyrembel. Entre os literatos e poetas, tomam parte Graça Aranha, Guilherme de Almeida, Mário de Andrade (1893 - 1945), Menotti del Picchia, Oswald de Andrade, Renato de Almeida, Ronald de Carvalho, Tácito de Almeida, além de Manuel Bandeira com a leitura do poema Os Sapos. A programação musical traz composições de Villa-Lobos e Debussy, interpretadas por Guiomar Novaes e Hernani Braga, entre outros.

A Semana de 22 não foi um fato isolado e sem origens. As discussões em torno da necessidade de renovação das artes surgem em meados da década de 1910 em textos de revistas e em exposições, como a de Anita Malfatti em 1917. Em 1921 já existe, por parte de intelectuais como Oswald de Andrade e Menotti Del Picchia, a intenção de transformar as comemorações do centenário em momento de emancipação artística. No entanto, é no salão do mecenas Paulo Prado, em fins desse ano, que a idéia de um festival com duração de uma semana, trazendo manifestações artísticas diversas, toma forma inspirado na Semaine de Fêtes de Deauville, cidade francesa. Nota-se que sem o empenho desse mecenas o projeto não sairia do papel. Paulo Prado, homem influente e de prestígio na sociedade paulistana, consegue que outros barões do café e nomes de peso patrocinem, mediante doações, o aluguel do teatro para a realização do evento. Também é fundamental seu papel na adesão de Graça Aranha à causa dos artistas "revolucionários". Recém-chegado da Europa como romancista aclamado, a presença de Aranha serve estrategicamente para legitimar a seriedade das reivindicações do jovem e ainda desconhecido grupo modernista.
Antropofagia - Tarsila do Amaral 

Sem programa estético definido, a Semana desempenha na história da arte brasileira muito mais uma etapa destrutiva de rejeição ao conservadorismo vigente na produção literária, musical e visual do que um acontecimento construtivo de propostas e criação de novas linguagens. Pois, se existe um elo de união entre seus tão diversos artífices, este é, segundo seus dois principais ideólogos, Mário e Oswald de Andrade, a negação de todo e qualquer "passadismo": a recusa à literatura e à arte importadas com os traços de uma civilização cada vez mais superada, no espaço e no tempo.  Em geral todos clamam em seus discursos por liberdade de expressão e pelo fim de regras na arte. Faz-se presente também certo ideário futurista, que exige a deposição dos temas tradicionalistas em nome da sociedade da eletricidade, da máquina e da velocidade. Na palestra proferida por Mário de Andrade na tarde do dia 15, posteriormente publicada como o ensaio A Escrava que Não É Isaura , 1925, ocorre uma das primeiras tentativas de formulação de idéias estéticas modernas no país. Nessa conferência, o autor antevê a importância de temperar o processo de importação da estética moderna com o nativismo, o movimento de voltar-se para as raízes da cultura popular brasileira. A dinâmica entre nacional e internacional torna-se a questão principal desses artistas nos anos subseqüentes.

Fonte texto: www.itaucultural.org.br

Assista abaixo vídeo da interpretação da poesia 'os sapos' de Manuel Bandeira com imagens de Tarsila do Amaral.
Fonte: YouTube


Related Posts with Thumbnails